21/07/2025

Governo já traça estratégia para taxar big techs. Veja as alternativas na mesa

Por: Bernardo Lima e Carolina Nalin
Fonte: O Globo
A equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva considera a
implementação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(Cide) como a principal alternativa para a tributação das big techs. A ideia é
aplicar um modelo de imposto sobre serviços digitais prestados pelas
companhias. O avanço da medida, porém, depende do Palácio do Planalto.
A discussão sobre taxação das big techs estava congelada desde que Donald
Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos. As ações desse tipo voltaram
ao radar do governo após Trump ameaçar aplicar tarifas de 50% sobre produtos
brasileiros a partir de agosto e foram mencionadas em declarações do presidente
Lula na quinta-feira em resposta ao tarifaço.
— O mundo tem que saber que esse país só é soberano porque o povo é
soberano e tem orgulho desse país. Eu queria dizer para vocês que a gente vai
julgar e cobrar imposto das empresas americanas digitais — disse Lula durante
evento em Goiânia.
Entre as formas de aplicar o imposto sobre serviços digitais, a taxação via Cide
é vista como a mais simples de se fazer no Brasil. A Constituição define que a
União pode instituir uma intervenção no domínio econômico. Trata-se de
tributo com caráter regulatório, não tem simplesmente viés arrecadatório, mas
visa o regramento de um setor.
Além disso, é considerado um tributo de manejo mais fácil por parte do
governo federal, pois a arrecadação e a aplicação de recursos estão vinculadas a
um setor específico. Seria possível, por exemplo, estabelecer uma alíquota sobre
a receita bruta das empresas, dividida por faixas de faturamento. Ou seja, um
critério de definição de alíquota escalonado pelo faturamento da empresa.
Além de vantagens operacionais, o governo não precisará dividir o valor
arrecadado com estados e municípios, como ocorre quando há aumento do
Imposto de Renda ou Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A mais
conhecida forma desse tributo é a Cide Combustíveis.
No caso da modelagem do imposto de big techs em estudo, o governo ainda
precisa definir qual o escopo do domínio econômico que será considerado, se
será uma Cide digital, por exemplo.
O assunto é discutido no Ministério da Fazenda, que já tem uma proposta
praticamente fechada neste âmbito. O Planalto e o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) também tocam a discussão e
devem dar a palavra final sobre qual medida será tomada.
Inspiração internacional
O governo já mapeou propostas que preveem a Cide sobre serviços digitais para
enviar ao Congresso Nacional, mas uma medida provisória (MP) também é
considerada porque tem uma aplicação mais rápida. A legislação vai precisar
dizer qual o fato gerador do tributo (estabelecendo quais serviços digitais serão
abarcados e qual o tamanho do mercado a ser considerado).
Países como França, Canadá, Itália, Espanha e Áustria instituíram modelos de
imposto sobre serviço digital, um Digital Service Tax, como alternativa para
tributação das big techs. As medidas geraram retaliações por parte dos EUA. O
governo canadense, por exemplo, decidiu suspender o imposto sobre serviços
digitais no fim de junho visando à negociação de acordo comercial com os
EUA.
O imposto canadense foi anunciado em 2020 para lidar com o fato de que
muitas gigantes de tecnologia não pagavam impostos sobre as receitas geradas
a partir dos canadenses, segundo nota do governo.
Na França o governo implementou um imposto de 3% sobre as receitas
derivadas de serviços digitais, publicidade direcionada e vendas de dados de
usuários. O modelo canadense também define alíquota de 3% sobre receitas de
serviços digitais vindos de engajamento, venda e licenciamento de dados de
usuários.
Opções no radar
Existem outras alternativas no radar do governo brasileiro, como aumento da
tributação das companhias por alíquota adicional no Imposto de Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ) ou na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). São opções consideradas menos simples tecnicamente. Além disso, um
adicional de IRPJ precisaria ser dividido com estados e municípios.
As big techs foram citadas na publicação em que Trump anunciou o tarifaço de
50% a partir de 1º de agosto. Além disso, são abordadas no relatório da
investigação aberta pelo Escritório de Representante de Comércio (USTR).
O texto afirma que existem evidências que indicam que o Brasil adota políticas
e práticas que podem prejudicar a competitividade de empresas americanas em
comércio digital e serviços de pagamentos eletrônicos. E cita a decisão do
Supremo Tribunal Federal que tornou as redes sociais responsáveis por
publicações de usuários que causem danos a terceiros e não sejam removidas,
mesmo na ausência de uma ordem judicial para remover o conteúdo.
Para Sydney Sanches, especialista em propriedade intelectual e vice-presidente
do comitê jurídico da Confederação Internacional de Entidades de Autores
(Cisac), a Cide é considerada a alternativa mais viável e rápida para colocar em
prática.
— Talvez seja uma ferramenta interessante e não muito complicada para o
governo implementar num primeiro momento, até porque pode ser feita com
base na Lei da Reciprocidade — afirma, acrescentando que o mecanismo
poderia ser adaptado posteriormente caso o governo busque tributar a remessa
de ganhos ao exterior destas empresas.
No começo desta semana, Lula assinou o decreto que regulamenta a Lei de
Reciprocidade, que abre caminho para a retaliação.
Já foi discutido internamente pelo governo, no ano passado, como saída para a
tributação das companhias digitais recorrer ao Pilar 1 da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — proposta que visa
reformar as regras da tributação internacional. A proposta, no entanto, não é
simples, pois depende de acordo entre os membros do chamado “clube dos
ricos”.
O Pilar 1 está previsto em uma iniciativa da OCDE com o G20, que reúne as
maiores economias do mundo. O projeto prevê a tributação de serviços digitais,
como big techs.
Regulação do Cade
O governo Lula tem dois projetos prontos sobre regulação — que não
envolvem taxas: um do Ministério da Fazenda, e outro do Ministério da Justiça
e Segurança Pública. Ambos estão sob análise da Casa Civil, aguardando aval
de Lula para serem propostos ao Congresso.
O projeto da Fazenda trata de regulação econômica e está voltada para a
concorrência. A proposta da pasta de Fernando Haddad não inclui regras para
conteúdo. A ideia é estabelecer regras adicionais para as gigantes do setor, sob
comando do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que seria
apontado como regulador das big techs.
Atualmente, o órgão de defesa da concorrência atua quando identifica algum
caso que fere o equilíbrio dos mercados.